domingo, 21 de maio de 2017

PSTU e CONIC - Diretas Já ou Eleições Gerais?

A defesa de eleições gerais pelo PSTU está assumidamente ligada à negação de que houve um Golpe de Estado no processo de impeachment de Dilma. http://www.pstu.org.br/%e2%80%9cdiretas-ja%e2%80%9d-do-pt-ou-%e2%80%9celeicoes-gerais%e2%80%9d-qual-a-diferenca/

Assim, o PSTU confirma que foi e permanece favorável ao afastamento da Presidenta. O impeachment fraudulento colocou Temer à frente do Executivo e o PSDB, DEM e PPS em pastas ministeriais por mais de um ano. Além de fazer avançar uma agenda de reformas extremamente regressiva, isto já resultou no congelamento dos gastos em Educação, Saúde e Segurança Pública por duas décadas e na possibilidade de qualquer atividade ser terceirizada, precarizando as relações de trabalho. O PSTU não faz autocrítica alguma quanto a isto. Pelo contrário, considera a saída de Dilma como algo positivo.

Na verdade, a linha de pensamento do PSTU propõe a divisão e o isolamento da esquerda. Afirma que a palavra de ordem "Diretas Já" seria algo "do PT". Nessa análise sem rastro na realidade, o PSTU desconsidera que outros partidos (PCdoB, PSOL, PSB, Rede) reivindicam Diretas Já e que o PT sequer foi o primeiro partido a trazer essa proposta como solução para a crise política em que o país mergulhou desde 2014.

Falemos de um exemplo (bem) melhor.

O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) reconhece que houve um Golpe contra Dilma, convoca as Diretas Já para a Presidência da República, mas também quer eleições gerais para o Senado e a Câmara Federal... http://www.conic.org.br/portal/noticias/2236-declaracao-do-conic-sobre-o-atual-momento-politico-do-brasil

Bastante positivo que católicos, luteranos, anglicanos e metodistas se unam à causa das Diretas. Até religiosos são menos dogmáticos que trotskistas! De toda forma, ainda me preocupa a falta de foco.

Tem muita gente por aí achando que renovar Presidência, Câmara e Senado ainda é pouco e quer que haja novas eleições para governos estaduais, assembleias legislativas, prefeituras e câmaras de vereadores.

O PSTU ficou indeciso quanto à medida da ambição. Fala em Presidência, Congresso, Governadores e emenda com um "etc.".

Chama a atenção tanto no caso do PSTU quanto no caso da CONIC a completa falta de esclarecimento sobre que poderes seriam os garantidores da democracia em meio a esse "apocalipse" político. Quem dissolveria os governos e parlamentos e conduziria o país?

O PSTU provavelmente alimenta fantasias sobre a possibilidade de "conselhos populares" tomarem o poder e garantirem as eleições. Não vai admitir que na verdade sua proposta de uma esquerda "autêntica" e alheia a articulações políticas mais amplas dialoga mesmo é com o fascismo.

Se falta uma proposta concreta às Igrejas e à extrema-esquerda, à extrema-direita não falta. Fascistas que querem uma intervenção militar (supostamente) constitucional vem ventilando (com boatos, áudios falsos e interpretações distorcidas da Carta Magna) que o STF e as Forças Armadas poderiam exercer o papel de dissolver parlamentos e governos, para depois convocar eleições gerais.

Aos setores populares, progressistas e de esquerda que não usam viseiras, mas ainda assim simpatizam com a ideia de eleições gerais: é preciso encarar que as condições não são favoráveis sequer para a realização de eleições diretas para a Presidência. Isto por si só será muito difícil e exige que nos articulemos a amplos setores, inclusive a partidos e parlamentares que exercem mandatos no Congresso (e que não abrirão mão deles).

O motivo pelo qual precisamos de eleições diretas para a Presidência é que qualquer outra saída mantém o povo excluído da solução da crise e culmina na continuidade da agenda das reformas/demolições trabalhista e previdenciária. Os deputados e senadores em exercício foram eleitos, gostemos ou não. O caso de Temer é diferente, pois ele usurpou o poder em um ato de traição e está aplicando um programa que ninguém teria coragem de defender em uma campanha eleitoral. As classes dominantes e seus partidos, se não conseguirem manter Temer no poder, vão fazer de tudo para que sua saída seja seguida por eleições indiretas, muito mais fáceis de serem controladas.

Devemos sobretudo ter cuidado com a confusão que o inimigo tenta plantar entre nós, nos dividindo, ventilando ideias absurdas sobre a possibilidade de o Judiciário e as Forças Armadas extrapolarem suas funções constitucionais e usurparem o poder político. Os golpistas tentam nos convencer de que esta seria uma medida temporária e que logo mais a normalidade democrática seria restaurada. Pois é exatamente nisto o que a UDN de Carlos Lacerda acreditava em 1964. Ele incitou ao máximo as Forças Armadas para que destituíssem João Goulart, acreditando que logo haveria novas eleições. A Ditadura durou 21 anos, partidos e mandatos foram cassados, o próprio Carlos Lacerda se tornou exilado político e barbaridades foram cometidas contra o povo e seus lutadores.

É preciso aprender com a história para não repetirmos erros.

terça-feira, 4 de abril de 2017

The Propaganda Game: um documentário honestamente ambíguo


Os espanhóis Álvaro Longoria e Alejandro Cao de Benós

Já assisti a vários documentários sobre a Coreia do Norte gravados por ocidentais. Devo dizer que The Propaganda Game (disponível no Netflix: https://www.netflix.com/title/80085020) está acima da média. Na maioria das vezes os visitantes com câmeras não vão ao país para conhecê-lo e revelá-lo, mas sim para combater o que ele representa: goste-se ou não, a Coreia Popular é um dos poucos países que não aceitou se submeter à ordem mundial estabelecida pela hegemonia norte-americana. Pela soberania nacional, seu povo pagou e paga um altíssimo preço! Para mim (ao contrário do que o senso comum estabelece), há algo de muito LIBERTÁRIO no fato de a Coreia Popular se manter de pé! Mal os coreanos se livraram dos colonizadores japoneses (que faziam das mulheres coreanas escravas sexuais), toneladas de bombas norte-americanas foram lançadas sobre Pyongyang, reduzindo-a a escombros. Valia tudo para impedir a consolidação de uma república independente! Por muito pouco não lançaram a bomba atômica! Pyongyang renasceu das cinzas como Fênix, é uma cidade magnífica, limpa, cheia de moradias e áreas de lazer! Comparem com a Seul capitalista e suas favelas, metrôs ocupados por mendigos e sem-tetos! É lugar comum reclamar da dependência norte-coreana em relação à China e à União Soviética, mas não há bases militares estrangeiras (nem chinesas, nem russas) na Coreia Popular. Já a Coreia do Sul (assim como o Japão) é um país ocupado por dezenas de milhares de soldados norte-americanos, com suas bases e ogivas nucleares, cuja detonação é decidida do outro lado do Oceano. Quem é livre, afinal?

Voltando à premissa inicial: geralmente as gravações sobre a Coreia do Norte são apresentadas em edições nas quais aparecem apenas opiniões hostis ao país, de ocidentais carregados de preconceito e arrogância. Algumas dessas criaturas burguesas opinam nesse documentário, mas o diretor espanhol Álvaro Longoria teve o mérito de dar algum espaço para que os próprios norte-coreanos falassem. As filmagens mostram o dia a dia deles, um povo cheio de cor, tradições, brincadeiras... o vídeo foi construído estabelecendo ambiguidades, que nem todos percebem. A crítica à "propaganda" de forma alguma se limita à ideologia ensinada, cultivada e defendida em armas na Coreia do Norte. Há questionamentos também sobre a propaganda midiática que se faz do país mundo afora.


Algumas das estórias fantásticas inventadas contra a Coreia do Norte são desmentidas no próprio documentário. Outras ficaram sem o devido contraponto. Por exemplo, os norte-coreanos nunca reivindicaram terem encontrado um unicórnio de verdade, como sugeriram determinados "jornalistas" de grandes corporações midiáticas. O que foi descoberto por arqueólogos coreanos é um local chamado Covil do Unicórnio (http://solidariedadecoreiapopular.blogspot.com.br/2012/12/folha-de-sao-paulo-mente-sobre-coreia.html).

Alguns questionamentos que o diretor faz na edição do vídeo poderiam ter sido esclarecidos através de perguntas aos entrevistados. Por exemplo, sobre a animação Coração Valente estar sendo exibida na TV de um apartamento. Filmes americanos são mesmo determinantemente proibidos na Coreia do Norte? Acredito que haja restrições econômicas (nesse caso, mais de fora para dentro, via embargo) e mesmo políticas. Possivelmente alguém trouxe uma cópia da China. Mas eu já vi dançarinos caracterizados de personagens da Disney se apresentando em palco para norte-coreanos, enquanto cenas de animações clássicas eram exibidas no telão  (https://www.youtube.com/watch?v=sRUpuPVKip0). O próprio Kim Jong-un estava na plateia.

Outros questionamentos foram um tanto estúpidos, como desconfiar de uma mulher não querer mostrar o que tem na geladeira para o mundo inteiro, ou achar estranho que coreanos cristãos cantem "tão bem" (se no próprio documentário foi registrado que coreanos aprendem a cantar, tocar instrumentos, dançar, etc. desde pequenos).



Enfim, há muito mais o que se saber sobre a Coreia Popular, mais do que é possível em uma única visita, com roteiro preestabelecido e acompanhamento de guias. Mas os "espertos" deveriam lembrar antes de criticar que armistício não é tratado de paz e que a Coreia do Norte ainda se encontra em guerra, não simplesmente contra um vizinho, mas contra aquela que o ocupa, a maior potência econômica e militar do planeta.

Não dá mais para achar que é mera "teoria da conspiração" acusar a inteligência norte-americana de praticar atos de espionagem, sabotagem, assassinatos políticos, golpes de estado, etc. Não com tantos documentos revelados pela própria CIA e com os vazamentos de Assange e Snowden. Essas coisas existem, não são "paranoia". Os norte-coreanos poderiam abrir mão de suas regras rígidas sobre entrada de estrangeiros, de seu militarismo e de seu poderio nuclear dissuasivo. Terminariam como Iraque e Líbia. Felizmente não estão tentados a permitirem essa barbaridade! Uma pergunta para os que repetem como papagaios que a Coreia do Norte é uma ameaça à paz mundial: qual foi o único país do mundo a utilizar a bomba atômica contra pessoas? Uma estrelinha vermelha para quem acertar! Será que aqueles que têm que se retratar e se retirar não são na verdade os norte-americanos, para que os próprios asiáticos negociem os termos de paz entre eles? Ou devemos acreditar como racistas e colonizadores que esses povos precisam ser tutelados por gringos arrogantes?

Menina coreana pergunta se na Espanha as crianças também são amadas

Quanto ao outro espanhol, o comunista  Alejandro Cao de Benós, que optou por viver e servir à Coreia Popular: admiro sua tenacidade, mas considero algumas de suas ideias excessivamente românticas, como criticar as reformas de China e Vietnã (que longe de acabarem com o socialismo em ambos os países, o tornaram mais longevo) e idealizar que a Coreia do Norte se destaca por repudiar formas de organização da produção pelo mercado. O socialismo como transição do capitalismo ao comunismo pode sim comportar diversas formas de organização da produção, desde que subalternas à economia planificada, principalmente nos estágios em que as tecnologias mais avançadas forem monopólio das potências capitalistas. O recente Socialismo de Mercado chinês guarda muitas semelhanças com a Nova Economia Política proposta e executada por Lênin. Seria Lênin um traidor na concepção de Alejandro?

A própria Coreia do Norte tem promovido empreendimentos em comum com a Coreia do Sul capitalista. Laboratórios importantes para um projeto de reunificação nacional sob dois sistemas, como já foi proposto por presidentes dos dois países em encontros na década de 2000. Se os propósitos estabelecidos nas declarações conjuntas entre Norte e Sul (https://en.wikipedia.org/wiki/June_15th_North%E2%80%93South_Joint_Declaration e http://www.ncnk.org/resources/publications/North-South%20Declaration.doc/file_view) não foram alcançados, isto não se deve aos norte-coreanos, mas sim à influência imperialista e anticomunista dos EUA sobre a política sul-coreana. A tão aclamada "alternância de poder" no Sul levou ao abandono da "Sunshine Policy" defendida por Kim Dae-jung e Roh Moo-hyun. Não me admira que os representantes da burguesia ocidental opinem ao final do documentário que a reunificação não interessa a ninguém, e que se ocorresse seria necessariamente uma absorção do Norte pelo Sul, prevalecendo os interesses dos EUA. A reunificação interessa sim, aos próprios coreanos, que deveriam a promover sem ingerência estrangeira alguma! Mas a retirada das bases militares norte-americanas da Coreia do Sul e do Japão não parece ser uma causa humanitária, pelo menos não para certos ongueiros e intelectuais conservadores.



Termino com algumas indicações aos interessados em aprender mais sobre a Coreia Popular.

São os três documentários gravados pelo britânico Daniel Gordon:

A State Of Mind - https://www.youtube.com/watch?v=_Nd-iSCy1og
Crossing The Line - https://www.youtube.com/watch?v=wxQeVBndv3U
The Game Of Their Lives - https://www.youtube.com/watch?v=rG-ivV-ps50

E estes dois episódios do programa canadense Departures:

Departures - s03e12 - North Korea The Other Side - http://www.dailymotion.com/video/x36ibbx_departures-s03e12-north-korea-the-other-side_webcam
Departures S03E13 North Korea The Musical Documental - http://www.dailymotion.com/video/x4dxzw6